27 de julho de 2010

O Segredo dos seus Olhos


“Os olhos são o espelho da alma.” Acredita-se que os olhos não mentem. Eles revelam o nosso coração, os nossos sonhos, as nossas paixões, os nossos ‘deuses’... Os olhos falam. E como falam! São também motivo de inspiração dos poetas. Como observou Mário Quintana: “Quem não compreende um olhar, tão pouco compreenderá uma longa explicação”.

O segredo dos seus olhos ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Na época o filme ficou meio esquecido, devido às discussões em torno do melhor filme e do irritante ‘azul’ de Avatar. Nem se quer foi lançado nos cinemas de algumas cidades (é o caso de Natal). Do diretor argentino Juan José Campanella, o filme conta a história de um oficial de justiça aposentado, Benjamin Espósito, que resolve escrever um livro contando a história de um caso de estupro e assassinato, ao mesmo tempo em que rememora uma paixão mal resolvida. O personagem faz um resgate do que passou, e a trama se desenvolve alternando presente e passado.

É um filme forte, denso, seus diálogos são interessantes e prendem a atenção do telespectador do começo ao fim, como por exemplo, o diálogo em que Espósito, inconformado com o rumo que tomou a sua vida, questiona: “Como se faz para viver uma vida vazia? Como se faz para viver uma vida cheia de “nada”?”

Os atores também são excelentes e a fotografia do filme emprega os efeitos de profundidade de campo, desfoque... sempre dando destaque aos olhos, que dá o título ao filme. Quando os personagens estão calados, os olhares dialogam ‘silenciosamente’.

Particularmente, gosto dos filmes que conseguem unir drama, romance e policial ao mesmo tempo, sem se tornar piegas, previsível ou cair no lugar-comum. E o filme de Campanella faz isso com louvor. Ele alcança êxito também ao incluir elementos do contexto histórico do país ao retratar as ‘safadezas’ do governo. Parabéns aos hermanos, é a segunda vez que a Argentina leva o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Ively Almeida

13 de julho de 2010

Eterno Drummond

Ponte sobre o Rio Tibre - Roma

Elegia 1938
Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.